domingo, 2 de outubro de 2011

Meu canto em Lisboa

Decididamente, o Terreiro do Paço é meu  lugar em Lisboa.
Hoje fui andando até lá, devagarinho, costurando pelas ruas, entrando pelas Portas de Santo Antão...saindo em ruelas... explorando becos...
De repente ouvi o sino de uma igreja: louvando a Maria... ave, ave, ave Maria!... Música de coroação... e a porra do ramalhete, hein? ...parei... entrei... rezei...
Saí trauteando... tomando café nos botecos (eu já sei que chama bica, mas ainda tenho vergonha de chamar de bica)... atrasando o passo, até chegar lá.
Acho que andei - ida e volta - uns 10 km mais ou menos.
Mas como vale a pena!
Chego lá e me sento olhando o Tejo - eu sempre lembro do Tajo, dos espanhóis... acho que o Tejo fica mais forte quando falado em espanhol. Pena que os banquinhos fiquem tão longe um do outro e não dá preu estirar minhas pernas.
...mas fico lá...preguiçando... deixando o sol bater na minha cara... olhando o brilho do rio... nem vejo que tem gente em volta...
De vez em quando viro para o outro lado... dou de cara com a porta da Augusta: VIRTVTIBUS MAIORVM... fico encantada... enfeitiçada... tentando decalcar cada detalhe daqueles nas minhas retinas.
Namoro os prédios ocre e branco... um quadrado deles... nem sei se são bonitos em separado, mas aquele quadrado ocre e branco me hipnotiza...
Gosto até mesmo daquela estátua de D. José I, cor de mancha verde abdominal de cadáver em decomposição.
Respiro fundo e sinto o cheiro... cheiro de água (inodora o caralho! água tem cheiro de água)...
Apuro os ouvidos e aquela onomatopéia de yes, ouis, yas, sis, sins, e tantos outros sons, sotaques e acentos vão se solidificando na babel dos meus pensamentos.
Fumo um cigarro devagar. Tenho tempo. Quero ter tempo para o Terreiro do Paço.
Levanto... devagar... ouço o pí-pí-pí do sinal de trânsito que abriu para os pedestres... atravesso... sou civilizada aqui... passo pelo D. José verde-decomposição e vou caminhando (acho que vou triunfal) em direção ao arco da Augusta.
Quando transponho o arco lembro da minha infância... passar por debaixo do arco-íris... mudava de sexo... quero mudar de sexo não... só passar por debaixo do arco, lembrar do arco-íris e de que fui criança um dia.
Vou meio que cabriolando Augusta acima... dona daquilo tudo... não adianta: eu me adonei do Terreiro, me assenhorei do arco e a Augusta é a minha passarela.
Sou criança de novo...puta sanduíche na Companhia das Sandes...eu toda, completa, misturada com os cheiros, sons, cores, formas daquela baixada que agora é tão querida para mim.

3 comentários:

  1. Texto lindo ...pura poesia em prosa !!!
    Curta muito tufo isso,andar 10 km não é para qqr um !!!
    Maria Regina

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  2. O Terreiro do Paço, foi local do palácio dos reis de Portugal durante cerca de dois séculos. Por isso vc se sente bem ai... É uma Rainha voltando ao seu lugar!!! bjo

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